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TEMPOS DESCARTÁVEIS

Chego aos 34 anos. Como documentarista, tenho um perfil bastante obsessivo: quando entro num assunto, mergulho em profundidade. Faz uns 4 anos, o plástico não sai da minha cabeça. Confesso que não sei muito bem como ele foi parar ali, já que me considero daqueles céticos, meio chatos e pragmáticos. Não sou exatamente a definição de um ecochato - nem de um ecolegal. Mas não deu pra evitar, a obsessão foi crescendo e as ideias vindo sem parar. Nem sei dizer a ordem das coisas, mas depois que comecei a ficar obcecado com a presença do plástico no dia a dia, passei por vários dos estágios das minhas obsessões: observação desenfreada, culpa individualizada, descrença humanitária, desespero insolúvel, perspectivas impossíveis e inacreditáveis, humor como válvula de escape, pesquisa obsessiva, sistematização de soluções possíveis, construção de infinitas frentes de exposição do tema, escrita de textos raivosos, escrita de textos mais acalmados, fotografias toscas, fotografias que se salvam e o desespero final pela organização de todo o material.

Este é um projeto autoral, auto-depreciativo, irônico, sarcástico, obsessivo e despretensioso. Não é um projeto criado no “tempo ocioso da Pandemia Covid-19”, na verdade ela só atrapalhou mais ainda os meus planos. Venho documentado oficialmente o tema do plástico e da nossa lógica descartável nos últimos 4 anos. Comecei fotografando plásticos do meu dia a dia, que apareciam na minha frente. Isso me fez abrir cada vez mais meu olhar para a quantidade de plástico sob minha responsabilidade. Decidi que eu ia “assinar” todo plástico que eu consumia, para tentar me ver realmente como responsável por aquele aglomerado de materiais. Tive minha fase observando lixeiros recolhendo sacolas gigantes, fotografando lixeiras hiperlotadas nas ruas e um período obcecado por cocôs de cachorro em sacos plásticos, que deixam de virar terra para serem eternizados em pequenas bolhas. Com o uso do drone, evolui para um trabalho documental sobre o Rio Pinheiros, observando o impacto do nosso modo de viver na água da minha própria cidade. As imagens acabaram levando a uma estética abstrata e reflexiva e, apesar de interessantes, não supriram minha incompreensão. Mas eu não queria falar sobre o plástico apenas nos rios e oceanos, ou dar uma escala muito ampla e distanciada das nossas vidas.

Pensando nisso, resolvi fazer uma planilha e calcular quanto plástico usei na minha vida até agora. Sabe? Quantos copos, escovas, shampoos, detergentes, garrafas, canudos, plastiquinhos de doces e por ai vai...Olhei os números e desacreditei. Para compreender um pouco melhor o que aqueles números significavam, decidi então recolher essas quantidades junto a cooperativas, principalmente para ver o espaço que ocupariam se não tivessem sido "descartadas" e se mantivessem na minha casa, na minha vida. Assim, juntei alguns materiais, revirei alguns lixos e com a ajuda de catadores e catadoras, consegui recolher grande parte desse material. E assim, organizei essas mini instalações na minha casa, com o intuito de levantar reflexões, informações e incômodos sobre nosso estilo de vida descartável.

Essa é uma oportunidade de tirar um pouco de sarro da minha própria personalidade curiosa e obsessiva. Eu fui movido principalmente pela minha incompreensão, como na maioria das minhas outras jornadas. O tema do plástico e do lixo sempre esteve presente nas minhas atuações com os outras temáticas, da pobreza ao luxo, e tomou conta de uma parte importante do meu cérebro. Eu não me considero um ativista, mas sim uma pessoa incomodada e preocupada com o que já vem acontecendo por ai graças a nossa lógica descartável. Como demorei para lançar o projeto e meu aniversário se aproximava, achei o gancho perfeito: meus 34 anos dessa vida de descartáveis.

 

As fotos foram feitas sem grandes produções ou apelos estéticos. Realizei os ensaios em casa ou na cooperativa de catadores, sempre fotografando sozinho, sem produzir demais o cenário e acatando a aleatoridade da posição que os materiais se equilibraram. Tenho mais experiência com fotografia documental e não tenho apreço em intervir na cena fotografada, de maneira geral. Para esse trabalho, não intervi na luz. E nesse caso, fico despreocupado com o resultado até agora, dado que essas fotografias e meu trabalho também serão descartáveis.

Como entregas desse projeto, minha intenção é realizar uma exposição e uma instalação, além de rodas de discussão incluindo as empresas poluidoras. Mas a Pandemia me fez recuar, então decidi lançar as fotografias e o conteúdo em um site com informações para continuar me aprofundando nesse e em outros temas documentais. Meu plano no início de 2020 era viajar para documentar esse e outros temas relacionados ao nosso consumo, mas estou aguardando o cenário mudar um pouco.

Os números iniciais que levantei para as primeiras fotos foram:

(os cálculos foram pensados na planilha com estimativas BEM conservadoras)

+8.160 garrafas PET (principalmente de Coca-Cola)

+410 Tubos de pasta de dente

+145 escovas de dente

+ 820 embalagens de Shampoo/Xampu

+410 buchas de lavar louça

+410 embalagens de Detergente

+6.528 bandejas de isopor para frios 

+6.528 copos plásticos

+2.040 pratos de plástico

+3.264 canudos de plástico

+24.480 plastiquinhos, desses que têm em tudo (doces, balas, cobrindo os talheres, envolvendo produtos novos, itens da mesa e assim vai)

O que eu não contabilizei e vim pensando:

- Sacos de lixo de tamanhos diversos. Uma conta rápida de 1 saco de lixo por semana geraria mais de 1650 sacos

- Sacolas de supermercado. Eu faço e sempre fiz compras pequenas e picadas. Poderia facilmente contar uma ou mais sacolas por dia, gerando em torno de 18.360 sacolas 

 

- Se eu consumisse 2 litros de água por dia (como manda minha nutricionista), de fontes “engarrafadas”, eu teria consumido em torno de 25 mil garrafas de água

 

- Desodorantes (tantos tipos e embalagens, principalmente com as tampas plásticas). Sem entrar no mérito horrível da fórmula desses produtos.

 

- Saquinhos transparentes de supermercado para colocar frutas e legumes até o caixa (vai entender por que fazemos isso, né?)

 

- Embalagens de alimentos, como arroz, feijão, macarrão, granola e tantos outros. Não só os que compro em casa, mas também os que usaram para preparar a minha comida em padarias, restaurantes, bares e etc.

 

- Materiais não identificados visualmente como plástico, como roupas com plástico em sua composição, cosméticos, peças de carro/bicicletas, embalagens de papel com plástico e assim por diante

 

- Remédios, tanto os porta comprimidos, como bisnagas e outros invólucros de plástico, que além de terem uso de curta duração, ainda tem em seu conteúdo elementos que precisam de cuidados especiais para serem descartados

- Eu sinceramente penso até nas rodelinhas de Durex que faço e fiz na vida pra colar cartazer, prender coisas e etc… Onde será que estão?

PERGUNTAS (e em breve respostas mais complexas):

NÃO É DESCARTÁVEL?

Puts, num é... O que é descartável? Quando nós jogamos um material plástico para fora da nossa vista, o que esperamos que aconteça com ele? Desaparecer ele não desaparece. No caso do plástico, quando ele não é ingerido por algum animal, ele se quebra em micro pedaços contaminados e fica, até onde sabemos, PARA SEMPRE no ambiente. Você sabia que todo o plástico já produzido no mundo desde a sua invenção continua em algum lugar do planeta? Salvo uma estimativa de 5-7% de material que foi incinerado e virou gás, o resto, está por ai. Incusive, essa lógica é que me motivou a ir atrás do que eu espalhei por ai.

Sabe quem disse que o plástico é descartável? A indústria do plástico.

NÃO É RECICLÁVEL?

Puts... Primeiro importante diferenciar um material que tem potencial de ser reciclado e um material que de fato será reciclado. Se formos levar a palavra ao pé da letra, alguns plásticos até permitem "um novo ciclo". Mas na sua maioria, os tipos de plástico não chegam a ter essa segunda vida por não ser "possível nas condições atuais" dar um segundo destino aos materiais. E mesmo quando uma garrafa PET vira uma nova fibra que vira uma camiseta "sustentável", essa roupa agora é uma mistura de materiais que continua tendo examente as mesmas propriedades do plástico gerador. O problema é que o plástico agora perdeu características e não pode "ter um novo ciclo". O consumidor inclusive nem identifica essa camiseta como plástico e vai descartá-la de qualquer jeito. E esse plástico vai poluir novamente do mesmo jeito. 

Sabe quem disse que o plástico é reciclável? A indústria do plástico. 

NÃO É BARATO?

Puts... não é barato. O grande ponto aqui é que é um material que não vem contabilizando suas externalidades (os prejuízos que causa). Plástico, é petróleo. É um material "desvalorizado" em certa maneira, usado ao extremo pela sua facilidade e escalabilidade de produção. É um material incrível, mas precisaria de um cuidado muito maior com a questão do descarte e com o valor que damos para as matérias primas finitas que extraímos do planeta.

NÃO EXISTE JOGAR FORA?

Pois é, não existe... Não é por que a gente não vê, ou "fez a nossa parte" que ele desaparece. Mesmo quando o lixo de um país é vendido para ser descartado em outro (sim, acontece o tempo inteiro), quando é lançado no oceano de um navio (sim, acontece o tempo inteiro) ou quando é enterrado ou acumulado em aterros/lixões, ele continua "dentro do planeta". E sinceramente, enviar o lixo pro espaço é uma ideia bem controversa vai...

A gente pode não ver, mas esse plástico todo continua poluindo, contaminando e matando os seres vivos desse planeta que a gente habita.

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